O temido dia
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Eu relutei
em escrever. Não por me fazer mal. Pelo contrário, escrever me faz um bem
danado. Principalmente em situações negativas. É o meu jeito de colocar para
fora o que vez por outra é difícil de
encarar (mas é preciso).
Meu filho é
autista e tem 11 anos. Um menino doce, com corpo em transformação e cabeça de
moleque. Apaixonado por carrinhos, adora vê-los em velocidade em filmes e jogos
de videogame. Desde que recebemos o diagnóstico, há mais de oito anos, de cara
percebemos duas coisas: procurar o que favorece o desenvolvimento do nosso
menino e vibrar pelo que formos conquistando ao longo do caminho.
O começo
não foi fácil. O diagnóstico traz um certo luto. Mas aí vem a vontade de fazer
o melhor pelo filho. E o caminho, em meio a tantas opções, fica mais fácil
quando você encontra reciprocidade. Foi o que eu exatamente tive nas duas
primeiras escolas do Gi. Nenhuma delas sabia lidar com autistas, tinha
experiência. Mas ambas tinham muita vontade de incluir. Descobri, com o tempo,
que esse é o bem mais precioso que se possa ganhar nessa trajetória.
Já havia
presenciado caras tortas diante de barulhinhos incompreensíveis, indiferenças a
diálogos. Aprendi também a não só ignorar essas reações das pessoas, como a
também saber lidar com situações que qualquer criança faria, mas, por meu filho
ser autista, logo surgia o tal do rótulo. Também conheci profissionais da área
e pessoas em geral que simplesmente temem o desconhecido. Mas, quando conhecem
mais a fundo, acham tudo menos complicado. Afinal, nesse jogo, descomplicar é
preciso.
Intimamente,
sabia que um dia a situação ia se agravar. Temia por bullying, assédio, maus
tratos.
Temia por esse dia. E, como um imã que cola o medo à realidade, o dia
chegou. Em escola particular, com certa reputação na localidade. Com estrutura,
com direito à cartão em que cada criança escolhia o que comer – o Gi adorava
essa autonomia. Mas, aí, entra em cena um professor, que resolve dizer com
todas as letras que só está ali para cumprir a lei e que, na verdade, para ele,
meu filho precisava estar numa sala de crianças com o mesmo nível mental que
ele. A coordenadora começou a fazer atividades com ele – atividades aquém do
que fazia na antiga escola. Tentamos falar de auxiliar, sem sucesso. Levamos
atividades já realizadas. Sem sucesso. O que mais recebíamos eram queixas:
“hoje o Gi está agitado; hoje o Gi jogou os estojos das outras crianças no
chão; hoje o Gi jogou água no coleguinha”.
Mas, o pior
de tudo veio de novas descobertas. Não temos provas, mas ficamos sabendo por
outros pais, que o Giovani foi agredido; que o professor o hostilizava em sala
de aula; que algumas crianças não queriam que ele chegasse perto delas – pois
é, em 2019, tem gente achando que autismo é contagioso.
Foi o
primeiro contato mais profundo com preconceito. E como isso dói. A gente,
adulto, já tem dificuldade de encarar certas coisas. Uma criança, então. E uma
criança autista, então. Sabíamos que havia algo errado, mas achávamos que era
resistência à ordem e às rotinas. Mas os sinais estavam ali. Em um ato de
desespero, nosso garotinho tirou o uniforme no meio da van escolar. Claro, pois
aquela escola não o acolhia.
O mais duro
é pensar no que ele sentiu, vendo claramente que não era querido. O mais duro é
ver a escola se escondendo atrás de queixas. O mais duro é concluir que sequer
chegaram perto do que é inclusão. E isso é a coisa mais terrível de todas –
achar que sabe, mas estar distante da resposta, julgar sem o outro lado poder
contar como está vendo a história. E, o mais grave, dizer que dá conta e
esconder fragilidades. Não se mente assim para pais de uma criança,
principalmente se ela tem deficiência. Honestidade é o mínimo que se espera num
jogo como esse.
Fiz o que
pude. Retirei meu filho imediatamente desse lugar. As coisas estão em processo.
Inclusive a dor.
Vai passar,
a gente sabe.
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