Ufa

Há momentos na vida que eu acabei de chamá-los de "ufas".

Ufa. Dias de folga. Descanso. Não pensar em nada ou em quase nada. Não levar o aparelho celular ao sair pra passear - no meu caso, um acontecimento e tanto.

Ufa. Planejar uma viagem com uma criança com autismo. Não antecipar tanto os fatos. Mas não deixar pra última hora. O momento certo de contar.  A euforia seguida de uma crise na véspera do embarque. Vamos sobreviver? Respirar fundo e confiar no nada que você vê pela frente. Será que vem um ufa por aí?

As únicas armas: agenda prévia, explicada detalhadamente, todos os dias, pela manhã. Acordar, tomar café, escovar os dentes. Rotinas que , seguidas, dão a organização necessária ao cérebro azul.

Chega o dia do embarque. Uma hora que sobra pode ser uma complicação.  Café mais demorado. O garotinho está ansioso. A família está feliz, unida. Todos chegam ao avião. Voo lotado. Será que vai ser um problema? Aglomerações nunca favorecem autistas. Aliás, não só a autistas. Acho que nunca ouvi ninguém dizer "não vivo sem tumulto". Não assim, seriamente.

O menino azul adorou o voo. Com turbulência e tudo. Viajou ao lado da avó. Em um segundo apenas, houve registro de um certo medo. E olha que depois dali ainda haveria translado de duas horas até o hotel. Com direito ainda a uma aventura de compras de suprimentos para a noite - debaixo de chuva. O garotinho amou tudo. A avó deu-lhe nota 💯, que foi endossada por todos. Ufa, ufa, ufa.

Veio o passeio do dia seguinte. Nota 100 pro momento compras, mesmo com muita gente. Yes, ops, ufa! Veio o passeio de trem. Moleza. Só que vieram os imprevistos, os que não estavam na agenda. Chuva, shows dentro do trem. Momento pré-crise. Vamos aos brinquedos estrategicamente colocados numa mochila. Ufa, foi por pouco. Sucesso numa visita a um museu. Quase sucesso em uma vinícola. De novo, os imprevistos. Muita gente. Não sabíamos, mas o garotinho estava cansado. Superestimado. Ele, que dorme pouco. Achamos que ia ser ótimo um dia de passeios. Mas, garotinhos azuis também se cansam. Saldo do dia: nota 80.

E veio o outro dia. Agenda. Passeio curto. Almoço. Promessa de um outro passeio. Mas o garotinho estava cansado. Chegou a um restaurante, mas já querendo voltar. Havia muita gente. Algo esperado. Mas que se torna algo difícil de ser superado. Mudamos os planos. Nessa hora, é mais do que um ufa. É uma pausa profunda. Vai ser sempre assim? Provavelmente. Pode piorar? Quem sabe? Quando vai ter o minuto "só pra mim" de volta? Tenho medo da resposta.

Mudar é frustrante porque significa retornar ao ponto, aquele ponto onde a incerteza toma conta.

Todos precisam respirar um pouco. Pais de autistas, médicos, cobradores de ônibus. Todos. O baile todo.

Nem tudo ocorre só porque se tem um filho com deficiência. E nem tudo o que ocorre com ele tem a ver com autismo. Antes de tudo e sobretudo, é uma criança como outra qualquer. Que sente e age como tal. É preciso derrubar mitos.

Vale o estresse? Vale. O céu azul, a paisagem, lugar diferente, pessoas diferentes. O inconveniente é o que toda viagem traz: imprevistos. E isso nos transforma em passistas. Requer rebolado. Respeito os pais que preferem não fazê-lo. Mas, aqui em casa, a gente optou por apresentar o mundo ao nosso filho. Uma decisão difícil. Que traz momentos de arrependimentos - não vou bancar a hipócrita, porque aqui se fala sobre o que é possível.

Vale ter "ufas" na vida? A gente cresce, passa a prestar atenção ao que é mais simples. Ao que importa. E a recuperar o fôlego. Essa respiração animada nos dá vida. É vida.

Sou uma pessoa melhor. E, ufa, isso representa um saldo positivo.

P.s.: em viagens, podemos observar mais a fundo o comportamento humano. Caramba, como regredimos! Mas isso já é tema para uma próxima crônica.






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