Não toque na escultura




Cena 1

Em um dia incomum de aeroporto, com uma rara e curta fila, uma senhora se atrapalha à procura de documentos perdidos dentro da bolsa. Chega a vez dela, e nada dos abençoados documentos. Estamos atrás dela. Com um olhar fulminante e ranzinza, a senhora dispara: "vão, vão na minha frente". E eu penso: "mas não são nem 9h da manhã e já temos que lidar com mau humor?".

Cena 2

"Por favor, não se sente ou toque na escultura". Vi essa frase mais de uma vez nas últimas semanas. Ouvi do meu sábio marido o comentário: "se a placa está aí, é porque as pessoas devem mesmo fazer isso".

Cena 3

Em uma noite, fui jantar com a minha mãe - noite das garotas. Estávamos em um grupo, e foi explicado que teríamos uma mesa (enorme) já reservada. Ainda assim, uma senhora, agindo como um polvo eletrizado, toma posse das seis primeiras cadeiras, "guardando lugar". Caminhando rumo ao final da mesa, um tanto incrédula com a situação, ouço de uma outra senhora: "de que adianta ter dinheiro para viajar e não ter educação?".

Nesses singelos dias de férias, não foram raras as vezes em que vi pessoas se acotovelando, quase correndo para ocuparem as primeiras posições de qualquer coisa - fila, cadeira, local para fotos. Infelizmente, não é preciso estar de férias para lidar com esses comportamentos. Mas, é que, justamente por ser um momento de descontração, a gente fica mais atenta quando algo vem assim, na contramão de um ambiente voltado ao descanso. Simplesmente, as duas coisas não combinam (não que em algum momento falta de educação devesse combinar seja lá com o que for).

Cena 4

Últimos dias de férias. Malas mais cheias, filas mais longas - afinal, são férias. Confusão de companhia aérea, alguns voos cancelados. Confusão do guia, o grupo se dispersa e as pessoas ficam perdidas. Muitos senhores e senhoras. Chamam o voo, começam a acelerar, enfim, o check-in. Avisto um casal perdido. Comento com o marido, que corre para avisá-los de que havia uma fila específica para aquele voo.  Eles sorriem, agradecidos. Uma luz?

Já no embarque, voo atrasado. E a senhora ranzinza do primeiro dia nos encontra. "Olha, o avião só vai pousar às 18h35 (quando já deveríamos estar em pleno voo), só vamos embarcar às 19h e vamos chegar em São Paulo lá pelas 21h". Eu não sabia decifrar se ela estava satisfeita em nos dar uma má notícia, se era o estado normal da criatura. Só fiquei pensando que, depois de uma semana de lazer, ela continuava com a expressão de quem comeu algo e não gostou do que engoliu. Meu marido me olhava com desesperança, mas eu disse a ele: "não, vamos resgatar isso".

Entramos no avião. E a senhora está justamente destacada para se sentar ao meu lado. Só que, uma outra senhora, gentil que só, ofereceu-se para trocar de lugar, para que a minha família ficasse unida durante o voo. "Bom, acho que o resgate acabou".

Mas, a gente nunca pode duvidar dos deuses do destino. O comissário nos informa sobre o número da esteira onde estariam nossas malas. Ao chegarmos lá, o número estava errado. Localizamos a esteira correta. Avistei a tal senhora e fiz questão de informá-la sobre o local exato onde estavam as malas do voo. Ela me ignorou. Pegamos as malas, e ela continuava lá, diante da esteira errada. Meu marido não desistiu, foi até ela, e indicou para onde ela deveria ir.

Ainda a encontramos na saída e, finalmente, eu pude ver um sorriso. "Deus lhe pague", ela nos disse. E ainda perguntou se tomaríamos um ônibus - cheguei a achar que ela queria a nossa companhia!

E foi ali que eu voltei a ter fé na humanidade. E nas gentilezas. Mesmo com a maioria correndo para pegar o seu lugar, burlando toda e qualquer regra até mesmo do inimaginável. É tanta rasteira, tanto mau exemplo, que às vezes duvidamos da nossa capacidade de sermos melhores pessoas.

Mas, sigo acreditando.

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