Todo mundo shallow now

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Que o mundo anda polarizado, não há a menor dúvida. Mas classificar pessoas como binárias - esquerda, direita, homossexual, heterossexual, pobre, rico - é baixar demais o nível do debate. É se distanciar e muito da verdade. Debater é, antes de mais nada, pensar com a mente aberta, página em branco, ouvir, aprender e aí concluir. Mas, se o debate começa com certo/errado, já não é mais debate - é imposição de opiniões.

Nesse feriado, eu tive acesso a duas histórias envolvendo pessoas com autismo. Tudo à beira da piscina, com borboletas de cores amarela, azul e laranja à volta. Mas o tema era para lá de chocante.

Uma mãe me contou que tem um filho autista de 21 anos. Levou anos para ter um diagnóstico decente. Seu filho foi taxado de mimado, gastou uma fortuna em psicólogos. Há 21 anos, o diagnóstico não era como hoje - ou seja, o que é ruim atualmente já foi pior. Mas, sobretudo, o preconceito de profissionais de Saúde e de Educação não ajudam em nada. Essa mãe batalhou muito para ter direito à escola, transporte e o grau desse rapaz é severo.  O filho hoje está em instituição especial. O sonho dela era ele simplesmente falar alguma coisa. Não sabe se por conta de todo o preconceito, que desencadeou em um diagnóstico tardio, não teria prejudicado o desfecho.

Depois veio a história de uma tia. Outro diagnóstico de autismo. A irmã separou-se do marido. Possuem renda, mas o pai custou a ceder a ajuda no pagamento dos custos do tratamento. Descreveu uma rejeição de outra criança, que ao ser abraçada pela sobrinha autista, disparou: "ela é esquisita". E, após a declaração desconcertante, empurrou-a, só porque a sobrinha a abraçara com mais força.

Fiquei pensando nas particularidades. Não é fácil descobrir autismo em uma família. A falta de estrutura das instituições públicas deixa muitas famílias na mão. E parentes que têm dinheiro para custear também sofrem. Tudo é muito caro, pouca coisa é reembolsável. E as autoridades muitas vezes dizem coisas sem propósito algum, como se tudo se resolvesse na base da segregação. Tem educador por aí achando-se acima de especialistas médicos. 

Ao dar uma olhada nos debates que vão além do quadro do autismo, a constatação é que estamos mais perdidos do que nunca. Todo mundo raso, shallow now. Ninguém se entende, nem tem vontade disso. Ser de esquerda virou sinônimo de ser petista. E não há debate com os maiores embasamentos que convença uma massa de gente cujo pensar é binário. Ou é ou não é. 

Ser de direita virou ser extremista. Ser autista virou doença. Ser pai de autista se tornou ser xiita ou chato. Ser educador virou ser dono de verdades. Divergir virou fake news.  Religião virou política. Política virou imposição. Debate ficou pra trás. E tem muita gente por aí sofrendo.

Enquanto isso, milhões de pessoas não têm como pagar as próprias contas. Centenas de crianças estão sem tratamento adequado. A corrupção não descansa. Mulheres apanham e morrem. E nunca ofendemos e fomos ofendidos com tamanha ignorância como pano de fundo.

Tudo isso porque estamos cada vez mais presos aos próprios pontos de vista. Estamos egoístas. Uma pena que está dando muito errado o projeto homo sapiens.

É preciso olhar os caminhos. O horizonte. E a beira da praia. Os sorrisos. A gentileza. O caminhar despretensioso. A cumplicidade dos idosos. 

É preciso ajudar. Resistir. Reconstruir não é fácil. Mas é possível. Talvez (muito provavelmente) eu não esteja viva para ver essa reconstrução. Mas que eu vou ser do time que começou, não há dúvidas.



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