A viagem da vida


Ela não tem muito tempo. Despede-se do filho e do marido. Passara a noite entre o sono profundo e a preocupação com o horário. Uma febre a acompanhou durante a madrugada. Nos momentos em que abrir os olhos, maldizia o fato de ter esquecido o casaco. Foi isso que desencadeou a sinusite e a temperatura acima de 37,8 C.

Aquela quarta-feira começou com desafios. Ir para o aeroporto com dores no corpo, aquele estado meio febril. Mas ela ainda consegue pensar no que precisava adquirir antes de entrar no avião. Tenta se recompor no banheiro, mas os sintomas ficam rondando. O avião atrasou e isso ajudou. Os fatos nos alimentam.

O voo é bom e ela vai rapidamente visitar uns amigos queridos, que acabaram de ser pais pela segunda vez. Erra a informação para o motorista de táxi e confunde Senador Dantas com Rua do Senado. Só tinha 15 reais. E o motorista não aceita cartão. Despede-se, sentindo culpa, mas não tinha o que fazer. O aceite contrariado do motorista alimenta o momento.

Não perde o compromisso e o casal lhe oferece almoço. A amizade alimenta a alma e faz chegar a tempo para começar a trabalhar.

Erra o arquivo e a dupla de trabalho descobre que a apresentação do dia seguinte seria em projetor. O dia interminável protege e alimenta o sucesso do dia seguinte.

Chega no melhor hotel do mundo – a casa da mãe – e ganha um jantar que lembra a boa e velha criação carioca: rabada com agrião e purê de batata. O carinho a alimenta.

Descobre que precisa pedir algo na farmácia com urgência. O entregador chega em menos de 20 minutos e entrega o troco e o sorriso. O sorriso que alimenta a alma.

Dorme e encara um dia seguinte de 12 horas de trabalho, incluindo uma viagem de ida e volta de quatro horas. O corpo está recuperado. Valeu à pena dormir com ventiladores no calorão do Rio de Janeiro. Volta feliz com o resultado e o corpo, meio exaurido. Conta com a gentileza do carona, que a deixa a menos de 10 minutos de casa. A gentileza alimenta.

Pela manhã, antes do almoço-compromisso final, cuida da mãe. Retribui o café generoso e o ar condicionado da noite passada com uma ida ao banco. Chama o táxi. O motorista não carrega o aparelho celular e a corrida não começa. O motorista se desculpa, mal pela boa corrida perdida. Ela chega a pensar que não está com sorte – uma heresia. Chama o segundo motorista, e o mapa fica congelado. Desiste do aplicativo. E é aí que a sorte aparece. Uma motorista – mulher, como ela, o que gera empatia – a leva onde quer. Guerreira, batalhadora, sonhando com uma licença renovada da Prefeitura. Ela retribui prometendo torcida pela nova amiga. A empatia e o empoderamento alimentam.

Vai ao almoço e come em um autêntico restaurante carioca, na Lapa. Vê turistas descendo de vans e a cena se transforma em esperança por sua cidade. Dias melhores alimentam.

Volta pro melhor hotel do mundo, dá tempo de adiantar uma apresentação e a colocar os e-mails em dia. Hora de ir pro aeroporto. Sabendo que o que lhe resta é um copo de água durante o voo, decide tomar café. E encontra um funcionário pra lá de atencioso. A simpatia é tanta, que o gosto do café fica maravilhoso. O empenho de fazer sempre o melhor alimenta.
Etapa final. Voo com chuva é sempre uma questão. O comandante já avisa que por Ilhabela haverá turbulência. Ela procura se distrair. Simplesmente, o voo vai tranquilo, mesmo com a aeronave dando voltas em Santos. O pouso, assim como a decolagem, atrasou. O início e o fim. O começo e a chegada. Tudo isso alimenta.

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