Gratidão

 Gratidão talvez seja uma das palavras mais profundas. Tantos significados. É bem verdade que as palavras mais pensadas e ditas pela humanidade nos últimos anos foram "vacina" e "esperança". Não podemos esquecer isso.

Não pretendo defender qual é a mais importante. Todas são. O objetivo aqui é não deixar o dia da gratidão passar sem a devida homenagem.

Vez por outra a palavra traz certa irritação, com algumas derivações sem unanimidade de bom gosto. Assim vimos surgir "gratiluz" e a coisa fica mais complicada quando vemos gente que não praticam o que dizem ficar repetindo "gratiluz", "gratilindo" e por aí vai.

Gratidão é algo que se manifesta. Gratidão é o começo do amor. É o caminho para a gente se entender como seres humanos. A nossa essência. Quando algo não vai bem, somos obrigados a parar e olhar para si mesmo (ou si mesma): não é natural. 

O caminho não é outro a não ser tentar reagir. Estancar a dor. E, para isso, precisamos aceitar que ela existe. Gratidão é aceitação.

É preciso colocar em prática. Mesmo sem vontade, forças ou ânimo. Curiosamente, agradecer e aceitar algo que não entendemos não é tortura, é antídoto. 

E, como em recuperação hospitalar, vai-se fazendo efeito. O bicho passa a não ser tão grande, a gente percebe que deve ter uma razão e  a dor fica menor.

Não, não é texto de Polyana. Porque nem sempre vamos aceitar que foi o melhor que aconteceu. Temos nossos apegos - o caminho é soltá-los - mas temos nossas questões - entes queridos que se foram - não dá para a gente dizer que foi a melhor coisa do mundo que ocorreu. Embora, muitas vezes, diante de tamanho sofrimento, no fundo a gente sabe que é o melhor a acontecer naquela situação. Mas jamais vamos desejar que seja a melhor coisa do mundo. Uma hora falaremos de luto. Não é hoje o dia.

Mas, de certa forma, a vida vai ficando mais leve. Começamos a entender que aquela maldade, injustiça, mentira, fofoca não te pertencem. São atitudes alheias. Aviso que é bem possível que você encontre espelhos - será que não falou demais? Não deixou a raiva extravasar e falar mais alto? Pois é, gratidão também faz crescer, dói um pouco. Seja sua ou do outro, a gratidão nos permite liberar a carga pesada. Não é mais preciso. Let It go. 

Quando a dor finalmente passa ou fica mais recolhida, começamos a rir das coisas, a reconhecer outras pessoas, situações. A vida volta a ficar mais leve. Não que as marcas desapareçam. Apenas sabemos lidar melhor com elas.

Fiquei pensando na melhor imagem para ilustrar esse dia. Não se trata aqui de religião. Nem é a minha, por sinal. Mas que foto essa do Padre Julio Lancellotti com um bebê, alimentando-o. Ali tem antídoto ao ódio e à indiferença, ali tem desapego, leveza, esperança. É o normal, o natural. Em cada uma dessas palavras, há gratidão. Que nos inspira a notar as coisas simples e fundamentais - estar vivo ou viva, abrir os olhos, acordar, ter mais uma oportunidade de fazer algo que goste.

Ter gratidão é resistir.