Saudades


Semana um tanto complicada. De saudades. Afinal, domingo é dia dos Pais. Inevitável recordar. Daquele cara que trabalhou até os 68 anos. Continuaria trabalhando, se o cara lá de cima não o tivesse chamado. Certamente anda trabalhando por lá.

Um lutador. Que começou cedo, como office-boy, aos 13 anos. Antes, vendeu jornal com o irmão mais velho. Ficava com fome e chegou a comer adoçante do chefe para amenizar o ronco do estômago. Serviu o Exército nos anos 60. Não conviveu diretamente com a ditadura, mas ouvia falar de casos em quartéis próximos.

Conheceu minha mãe no ônibus. Segurou os livros dela. E trocaram telefones. Cena comum. Para mim, fundamental. Senão, não estava escrevendo esse texto agora.
Lutaram para ter a primeira casa, em prestações que duraram duas décadas. Os filhos depois fariam piadas sobre isso, dizendo que ele deu o golpe na mamãe, pois o contrato fora facilitado por ela ter sido servidora pública.

Uma de suas frustrações era não ter os dois filhos vascaínos. Virei flamenguista. Meu irmão, Fluminense.  Por uma rixa que cariocas entenderão, ele se conformava de os filho e netos tricolores. Mas, jamais me perdoou por ser flamenguista. Quando o Vasco vencia o Flamengo, eu tinha que me esconder debaixo da cama, pois ele, com seus 35 anos de idade, tirava sarro de uma criança de 8 anos. Era uma paixão avassaladora pelo time cruz-maltino. E essa rixa me fez ser apaixonada por futebol. E por anos trocamos provocações, pessoalmente, por telefone, não importava. O importante era a nossa conexão futebolística. E o que me deixa feliz é que ele partiu pro andar de cima sabendo que o Vasco tinha voltado à série A.

Era 2014. Telefonei para comemorarmos sua alta do hospital. Afinal, havíamos vencido aquela maldita bacteria que estava em sua coluna. Lembrei-o de ele não esquecer de comemorar com um bom arroz à piamontesa com medalhões ao molho madeira, um de seus pratos preferidos.
Não deu tempo. Ele sofreria um AVC naquela madrugada. Depois disso, em menos de um mês, ele partiu. Guardo esse telefonema com carinho. Foi o nosso último momento, sem coma ou entubação.
Depois de sua partida, há dias em que não lembro tanto, há dias em que me lembro mais. É como se ele estivesse em algum lugar por perto. E na verdade ele está. Está aqui dentro. No coração e no meu DNA.

Ver o Vasco perder não tem tanta graça, hoje em dia. Mas continuo firme acompanhando o futebol, mesmo com suas mazelas. Por mim, por ele. Por nós.



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