Um café da manhã

Bonequinha de luxo - Audrey Hepburn

Um dia, perguntaram-lhe como seria um café da manhã se tivesse outra vida. Imediatamente, recorreu à Audrey Hepburn, mas viu que não era o seu estilo. 

Lembrou-se do mar, seu companheiro saudoso e inesparável. Cresceu no Rio de Janeiro e o pai a levava todo santo domingo a uma praia em Piratininga. Não sabe dizer o que era mais prazeroso: o entrar e sair da água ou o sanduíche em uma lanchonete de um italiano ao fim do dia. 

Imagina-se, então, com os cabelos compridos, em um quarto com varanda pro mar. Está confortável em um hobby esvoaçante (não gosta do adjetivo, mas é o melhor que encontra, porque ele voa), comprovando o quão leve a vida é. A cama está um tanto desarrumada, recém-despertada. O quarto tem uma penumbra que ora a convida para voltar a dormir, ora a empurra para a vida. 

As louças não ornam com os lençóis em tom pastel. São portuguesas, com pinturas em azul delicadamente feitas para mostrar a herança familiar dar um tom mais fino à descomplicação. 

O olhar está ainda perdido, buscando encontrar o mar por entre cortinas do tom do lençol, finas, que separam aquele mundo particular do outro mundo de gente, de carros, de buzina, de poluição. Mas ela há de ver o mar, porque a cortina é a desculpa perfeita pra ela imaginar um mar de água azul no lugar de um mar de carros insanos. 

Lentamente, despeja o café brilhante, tão vital a ela quanto um beijo, um abraço, ver o filho e ir com o marido pro trabalho. A colher de cobre, também trabalhada, mexe a substância. Ela se volta com a xícara portuguesa em mãos  para os livros ainda sobre a cama que folheou antes de dormir. Sente-se mal em despedir-se deles, mas logo aquela paz do quarto será perturbada pela vida, que insiste em gritar. 

Ela será, então, obrigada a sair daquela paz de hobby, a entrar no banho, vestir uma roupa executiva e sair pela porta. Mas, ainda terá o gosto do café e vai se lembrar da xícara, da colher e da penumbra. Ela volta.