Nunca fomos tão década de 90. Só que pioramos.



Acompanho o noticiário do Rio de Janeiro, com um misto de saudade, pertencimento e perplexidade. E o noticiário acertou em cheio a minha caixa de memórias.

Em 1992, era então estudante de Jornalismo na ECO-UFRJ. Tomava dois ônibus para ir e outros dois para voltar pra casa. Moradora da Ilha do Governador, fui eu escolher uma faculdade que ficava em um campus na zona sul da cidade. E, pior, a Linha Vermelha estava sendo construída. Eu levava horas dentro dos ônibus. Mas, aos 19 anos, a gente encara tudo. 

Naquele ano, gringos ficaram encantados com a segurança – em níveis suecos – da cidade. E a gente enxergava tanques do Exército em frente a várias favelas cariocas. Eram dias de ECO-92 e a violência migrava para a Baixada Fluminense.

Em 1994, já nos semestres finais, estagiava em TV e trabalhava em rádio. Na televisão, aprendi a ver de tudo um pouco. Ora você está acompanhando a entrevista de um professor da PUC falando sobre o aumento do salário-mínimo. Ora você está em uma favela. E, naquele ano, o Exército realizava blitze nas comunidades cariocas. Cada dia era em um morro. E, de praxe, à tarde era coletiva no Comando Militar do Leste. 

Não, não era 2018. Era 1994.

Numa dessas incursões, estava com uma equipe no Morro dos Macacos. E foi aí que eu assisti a uma aula de Antropologia da vida real. O Exército não estava lá. A tropa acabara de sair. Vimos  pessoas encostadas em telefones públicos, observando o “movimento”. Os “simpáticos” homens do tráfico olhavam os transeuntes de forma atravessada. Os fios dos telefones estavam cortados. Era o recado de que o “Disque-Denúncia” não ia funcionar.

Já entre 1995 e 1996, eu estava no Terceiro Setor e, num dia, fui parar numa cena que, para mim, foi uma mistura de Antropologia com Sociologia. De um lado, uma viatura da Polícia; do outro, pessoas do tráfico dentro de uma padaria. Em meio a eles, ruas de terra, água não encanada, esgoto não tratado, a região sem as mínimas condições de higiene.

Tudo o que vivenciei profissional e pessoalmente na década de 90 está presente no noticiário de 2018. Só que com um tom diferente. Estamos mais intolerantes? Ou, sempre fomos ? Investimos pesadamente em tecnologia, mas deixamos de lado o básico, o essencial – respeito, informação, educação. Estamos mais próximos da selvageria e ao mesmo tempo falamos tanto em nova cultura, novas gerações. O novo que não atrai, que "polariza", que faz de mim o (a) seu (sua) inimigo (a).

Alguma coisa está , sem dúvida, fora da ordem. E não é a mídia. Não é o seu amigo compartilhando notícia falsa. Isso tudo é consequência. A causa, infelizmente, está diante do espelho. Somos nós.

Acreditar que é possível remar contra a maré é cansativo. Às vezes, inacreditável. Mas, é o caminho que vejo. Não enxergo uma saída onde sejam requisitos  passar pra trás o outro, maltratar, julgar e pensar em si mesmo. Espero que mais pessoas também acreditem nisso.

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