O silêncio não é para inocentes

Quem gosta de escrever, sabe. Buscamos temas por aí, observamos tudo. Pode ser uma pessoa que caminha pela rua chorando e chama a nossa atenção, embora ninguém a perceba. Também pode ser um carinho de uma avó ao neto no shopping, um olhar perdido de alguém no ponto de ônibus, uma conversa animada no metrô. Irritantemente, somos atentos.

Os temas foram passando e eu fui deixando-os de lado. Heroicamente, fugi da política - e vejam que não tem sido muito fácil. Viramos reféns do ódio e não sabemos mais interpretar as informações. Mas, isso é outro texto.

Mas, já chegando ao assunto, fatos independentes entre si, mas similares nas atitudes, convenceram-me a escrever. Lá vou eu.

Dissimulação me incomoda. A pessoa que sorrateiramente lhe sorri - e, geralmente, dissimulados sorriem - tentando arrancar uma informação. Ou, quem sabe, livrar-se de alguma responsabilidade, porque sabe que você, irritantemente atento, vai 'pescar' o dado que não se encaixa na história. E, se você não é dissimulado - graças a Deus - vai se sentir usado minutos ou horas depois. "Como foi que eu não percebi que estavam jogando comigo?" - se você já se culpou por ter se conscientizado da resposta correta tempos depois, anime-se: você não é um deles.

Outra coisa é o pré-julgamento. A tal da superficialidade. E, pra quem acha que é indireta pra debate político, não é. É só um reflexo da pressa em saber tudo - e, why not, sentir-se superior aos outros. Não sei se é a formação jornalística, mas apuração, minha gente, é fundamental. Não dá pra sair dizendo que alguém está endemoniado, que é isso ou aquilo sem apurar. Sabe realmente de nada, inocente! A vida é muito irônica. Uma atitude tem mil versões. Alguém pode ser considerado negativo quando só estava sendo franco. E alguém que pareceria ser um anjo, pode, sim, estar alimentando o demônio achando que está salvando todo mundo.

Refletindo sobre isso, percebi que poderia ter sido contaminada pelo 'ebola comportamental'. Eu poderia estar julgando como eles. Poderia ter me tornado muito exigente. Bancando Deus, sei lá.  Isso é muito fatal. Ainda bem que o anjo da guarda estava prestando atenção e me puxou de volta para a luz. Já estava me sentindo "Carrie, a estranha".

Então, eu me encontrei com o silêncio. Ele não é para inocentes. É pra quem já tem rugas e aprendeu, faz tempo, a só observar. Por isso, ando falando bem menos - a não ser pelo ofício e pela necessidade. Ando contando menos as coisas, vibrando, sofrendo em silêncio ou compartilhando com poucos. Muito poucos.

A resistência é válida. A resiliência, mais ainda.


Já cantava Chico Buarque - e, de novo, não é nada eleitoral, que "já nem lembro 'pronde' mesmo que eu vou, mas vou até o fim". É, eu já nem lembro quem ofendeu, quem foi dissimulado, quem quer ser esperto. Mas, vou até o fim. Na contramão de todos eles. Vai ter um dia, garanto, que vou agradecer a cada um. Por me lembrarem de quem eu não quero ser. 



A vida é irônica. Graças a Deus.


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